“A origem de Zé Pelintra está intrinsecamente ligada à cultura nordestina e, particularmente, à Jurema, uma prática espiritual com raízes indígenas e afro-brasileiras que floresceu no Nordeste do Brasil”.
*Por Mãe Gardênia d´Iansã
Zé Pelintra é uma figura profundamente enraizada no imaginário cultural e religioso brasileiro, particularmente dentro das tradições afro-brasileiras, como a Umbanda e a Jurema. Seu caráter malandro e protetor fez dele uma das entidades mais amadas e respeitadas, especialmente entre as comunidades urbanas e periféricas.
Segundo Nikolas Peripolli, dirigente da Casa Almas Santas Benditas “A escrita correta é Zé Pelintra, nome oriundo de sua encarnação, e posteriormente, do encantamento na Jurema Sagrada. Seus pais eram José Aguiar Philintra e Maria de Santana e seu nome de batismo era José Aguiar Santana. Além do seu nome de batismo, quando encantou na Jurema, ganhou seu nome de encantado como Mestre Preto Zé Pelintra”[1].
Mesmo muito cultuado, Zé Pelintra possui uma origem complexa e uma história envolta em mistérios e tradições orais que atravessaram gerações. Uma de suas celebrações mais conhecidas ocorre em 28 de outubro, o "Dia de Zé Pelintra". Mas de onde vem essa data, e como essa figura tão fascinante surgiu e se consolidou no panorama espiritual brasileiro?
Sabedoria e Malícia
A história de Zé Pelintra reflete um arquétipo complexo e de múltiplas camadas. Em muitos relatos, ele teria sido uma pessoa comum em vida, um homem que viveu nas ruas e aprendeu a sobreviver com malícia, sabedoria e, principalmente, alegria. Sua figura é vista como uma representação do "malandro", o indivíduo que transita pelas ruas das grandes cidades, escapando das dificuldades com destreza e uma boa dose de bom humor.
A origem de Zé Pelintra está intrinsecamente ligada à cultura nordestina e, particularmente, à Jurema, uma prática espiritual com raízes indígenas e afro-brasileiras que floresceu no Nordeste do Brasil. Segundo estudiosos da cultura afro-brasileira, Zé Pelintra é um personagem sincrético, que incorpora elementos de várias influências culturais: indígena, africana, portuguesa e afro-americana.
Ele surge como um espírito ancestral e urbano, que transcende a própria figura humana e alcança o status de um guia espiritual, capaz de auxiliar e proteger os que necessitam de sua ajuda. Na Umbanda, Zé Pelintra é reverenciado tanto na linha dos Exus quanto na linha dos Caboclos, variando conforme a casa e a tradição.
Na Umbanda e na Jurema
No contexto da Umbanda e da Jurema, Zé Pelintra assume um papel de mediador entre o sagrado e o profano. Sua figura é o retrato do marginalizado, do homem que enfrenta adversidades sociais e econômicas, mas que encontra formas de vencer os desafios com dignidade e alegria. Ele é associado ao arquétipo do Exu e do Malandro, entidades que entendem a complexidade da vida urbana e a necessidade de adaptação às injustiças da sociedade.
Essa representação é, em grande parte, um produto do sincretismo religioso e cultural que marca o Brasil. A imagem de Zé Pelintra, com seu traje elegante de terno branco, chapéu e gravata vermelha, é uma personificação do “malandro” carioca, mas sua origem vem de uma narrativa de resistência que ecoa as lutas dos afro-brasileiros. Na Jurema, ele se destaca como mestre, figura que orienta e protege, usando conhecimentos ancestrais para o bem-estar de seus “afilhados” e daqueles que o buscam.
O Significado de 28 de Outubro
O dia de Zé Pelintra, celebrado em 28 de outubro, não possui uma origem claramente documentada, o que não é incomum em tradições de matriz africana e indígena, onde a oralidade e o simbolismo predominam. A escolha dessa data parece estar mais conectada à prática religiosa, à devoção dos seguidores e ao simbolismo que o próprio personagem carrega do que a um evento histórico específico.
De acordo com alguns estudiosos e praticantes, a data de 28 de outubro foi estabelecida por um acordo não formal entre terreiros e devotos, a fim de dedicar um dia do calendário para celebrações, oferendas e homenagens. Esse dia possibilita que os fiéis se conectem espiritualmente com Zé Pelintra, busquem sua proteção e celebrem seu caráter de malandro, protetor dos desvalidos e símbolo de resiliência e resistência.
Além disso, a escolha de um dia para Zé Pelintra reflete a necessidade das comunidades de terem um momento específico para honrar sua presença. Assim como outros santos e orixás, a consagração de um dia no ano fortalece a identidade e a coesão entre os devotos, criando um espaço sagrado para pedir, agradecer e celebrar.
O Culto a Zé Pelintra
Durante o dia de Zé Pelintra, é comum que os devotos organizem celebrações marcadas pela música, dança, e oferendas características. É possível ver, em diversas regiões do Brasil, rituais e festividades com comidas típicas, cachaça e cigarros, elementos que simbolizam o espírito de Zé Pelintra e sua conexão com a malandragem e a vivência das ruas.
Em muitos terreiros, os participantes vestem-se com roupas que evocam a elegância do personagem: trajes brancos e gravatas vermelhas, o que também demonstra o respeito e a reverência pela sua imagem.
Essas celebrações não apenas homenageiam Zé Pelintra, mas também reforçam a sua função como guia e protetor, alguém a quem os devotos podem recorrer em momentos de necessidade. Ele é visto como um espírito acolhedor, alguém que compreende e apoia aqueles que enfrentam as dificuldades da vida urbana e marginalizada, oferecendo conselhos e assistência espiritual.
O Advogado dos Humildes
Zé Pelintra é uma figura única, que representa tanto a complexidade do sincretismo religioso brasileiro quanto a realidade social das comunidades urbanas e periféricas. A celebração de 28 de outubro é, portanto, mais do que uma simples data; é um reflexo do respeito e da devoção dos fiéis a esse espírito de malandragem e caridade.
A origem dessa data pode ser incerta, mas o significado é claro: um dia para fortalecer a conexão com um guia que, de maneira irreverente e sábia, representa a resiliência, a justiça e o poder de superação.
Assim, o Dia de Zé Pelintra não apenas celebra sua figura, mas reforça a importância das tradições orais e da fé como fontes de identidade e resistência cultural. A jornada e o legado de Zé Pelintra continuam a inspirar aqueles que, em sua busca por proteção e orientação, enxergam nele o espírito da malandragem e do acolhimento em um mundo muitas vezes hostil e injusto.
[1] PERIPOLLI, Nikolas. Zé Pelintra – São Paulo, SP: Editora Mariwô, 2020 – p.47.
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